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2006-05-18

Memória Descritiva

Qual o papel do artista na nova ordem mundial? Esta é uma das muitas questões que está longe de ser consensual. Certos sectores da sociedade são da opinião de que o artista, no seu sentido mais lato, ou seja, na sua qualidade de agente cultural, deve ser um visionário, esperando dele a antecipação de cenários possíveis ou o apontar de caminhos ou tendências. Outros há que vêem nele uma consciência crítica e, portanto, um denunciador de situações de injustiça social, económica e política. Há ainda aqueles que, pelo contrário, acham que o artista se deve manter à margem, resistindo ao apelo de se colocar ao serviço do Poder e à tentação de procurar influenciar certos destinatários bem definidos.
Das duas primeiras posições decorre que o artista deveria ter uma voz activa e assumir um papel interventor no mundo. Será esta expectativa lícita? Talvez. Em certos contextos sociais e políticos, onde a opressão e a censura sejam a palavra de ordem, é, sem dúvida, legítimo encarar o acto artístico como veículo de denúncia, muitas vezes subliminar, e de expressão de um grito de liberdade reprimido.
De acordo com a "terceira via", a produção artística deveria ser neutra, reflectir, tão somente, estados de alma do artista e cingir-se ao princípio básico da "arte pela arte". A extrapolação de mensagens de cariz político ou social ficariam, então, por conta de uma crítica especializada em leituras mais ou menos crípticas da arte.
Com a queda do Muro de Berlim (ele próprio um imenso painel artístico, expressão viva de sentimentos de revolta, frustração, esperança e apelo à liberdade) impôs-se uma lógica monobloco e a falsa sensação de paz e estabilidade mundiais. Esta nova ordem mundial veio pôr fim a uma profícua fonte de inspiração artística e cultural, baseada no imaginário de um conflito à escala global entre os dois blocos político-económicos predominantes.
O fenómeno global que se seguiu foi, afinal, outro: o da pressão económica. Do Ocidente passaram então a soprar ventos, que têm redundado numa americanização crescente dos hábitos de consumo, do modo de vida e, em última análise, da cultura, bem evidente, por exemplo, no cinema e na música. Prova disso é a afirmação e consolidação do inglês como língua franca, respondendo à necessidade de facilitar a comunicação entre povos e culturas, muitos deles paradoxalmente avessos a tudo quanto seja anglo-saxónico.
O papel do artista neste contexto tendencialmente monolítico deverá ser o de procurar preservar a arte e a cultura em geral de quaisquer interesses económicos, que se queiram servir desse meio para massificar os gostos, as modas e as opiniões, sob a égide da globalização. É certo que esta não é uma tendência passageira ou um fenómeno transitório. A globalização é actualmente uma evolução (ou uma involução...) imparável, fruto da formação de grandes grupos económicos, autênticos monopólios, que, operando a um nível global e servindo-se dos meios tecnológicos mais avançados, impõem a sua vontade e a sua lógica darwiniana da sobrevivência dos mais fortes. Neste jogo da concentração do poderio económico e do magistério de influência nas mãos de uns poucos, o ser humano, o trabalhador, é encarado como uma peça dispensável. O crescimento do desemprego é um mal necessário para não ser ultrapassado pela concorrência.
Neste quadro, manifestamente desumano, o artista partilha com outros actores sociais, que vêem na globalização um fenómeno que vem acentuar, ainda mais, o fosso entre ricos e pobres, a pesada tarefa de evitar o desaparecimento dos valores mais nobres deste nosso planeta: o pluralismo, a diversidade, a liberdade e o direito à diferença. Como? Da mesma forma que, noutras épocas, outros artistas inconformados com o estado de coisas o fizeram, socorrendo-se das técnicas e das formas de expressão, então julgadas mais eficazes, para fazer passar a sua mensagem.
"Uma imagem vale mais do que mil palavras" é, sem dúvida, um cliché, mas é também uma grande verdade. "Nestes tempos que correm" é uma expressão que também, nunca como agora, teve tanta razão de ser. Neste panorama imediatista, em que as pessoas não têm tempo para nada, muitas vezes nem para ler, nem para parar e pensar um pouco, a mensagem tem de estar ali, bem inequívoca à frente dos nossos olhos, pronta a ser digerida.